terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Não


Não.
Hoje não digo palavras bonitas. Sinto a paz no silêncio que me cerca. Neste retiro entre batalhas.
Não.
Hoje não tenho a palavra certa na hora certa. Sou apenas eu, esta velha carcaça, cansada de batalhas ocas.
Sim.
São décadas de vivência errante neste labirinto que me enreda e questiona a razão desta cela onde tudo é permitido e a tudo me nego.
Não.
Hoje não me dou por etapas, nem me visto de seda doce. Apenas nu e cru, nesta caminhada por dúvidas, que moem de tanto saber ao que me conduzem.
Palavras bonitas. Frases redondas e perfeitas, à vista de quem as lê, são bálsamo para a alma, eu sei.
Bálsamos. Libertam a dor mas não curam este sofrer que moe e destrói, na espera da renovação, sempre adiada.
No limbo entre a noite e o dia percorro emoções e afectos, saciando espaços em branco que trago em mim. Como um dia de Outono, passei pelo Sol sem fazer morada e a chuva quente teima em cair, nega a sua existência.
Sim.
Como quente e agradável és tu, Sol.
Não.
Hoje não quero pensar. Invejo quem não sente, não se dilacera em questões espúrias sobre a sua existência nesta barca. Navegam por calmas águas, na confiança do seu capitão, o tempo, cuidará do rumo a tomar.
Viagem sem regresso, não escolhida. Aportando a enseadas, seguras e serenas.
Num lapso de tempo, repouso entre sombras e vejo as tempestades vindouras, em setas sufocantes de palavras amargas.
Fujo de ti barca, pesada, romba, que recusas em partir. Fujo de ti como se foge de um sonho mau, que sufoca.
Fujo de ti barca, de restos usados, fragmentos de afectos e doces sorrisos simpáticos, mas não a cura para esta dor que me leva a não continuar seguir rio abaixo, sempre jusante, até te encontrar. Corrente forte, imensa, que me impele para a foz, para o fim certo, que todos pretendem ignorar.
Sim.
Sei que nos encontraremos num plácido lago de águas translúcidas, onde te verei com nitidez e nada será como era.
Sim.
Sei que tudo é um mero passeio de ao longo das margens de um rio. Sou um passageiro inconformado pelo lugar que me coube em sorte, rodeado de cheiros acres e fétidos.
Sim.
Esse o lugar que habito, como clandestino. Subo ao convés e permaneço incógnito, levando o bilhete que um incauto distraído esqueceu na sua esteira beira sol.
Bonitas são as margens deste rio. Sol e mar. Risos e aromas. Margens de sons trepidantes em contínuo reboliço. Poderei sair por segundos e conhecer um pouco mais que águas paradas que por demais me revejo? Terei a permissão? Terei a ousadia de visitar outra margem, sem fazer morada entre os que ousam pernoitar? Terei esse rasgo de gozo, e partir desta barca cinzenta, voltar a subir o rio, para espanto de quem me segura? Para meu assombro?
Não.
Hoje não quero dizer palavras bonitas, vou para a minha cama de rede e baloiçar um pouco mais, neste porão de cheiros e sabores confortavelmente adquiridos em décadas de viagens.

RuiSantos

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