domingo, 7 de março de 2010

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Manta curta

o dia era manso,
a noite bocejava
pensava
como os embrulhar
e come-los
mais tarde

depois
da penumbra adormecida
vieste
de névoas inconformadas,
saiste
minhas seguras ataduras
despiste

então

perdi o dia rente
fintei a noite rasa
na tua seiva luxúriante
encontrei-me sedento
de estrada e casa
rimos na descoberta
das montanhas por escalar
e percebi
sempre esperei por ti

trocamos saberes de sabores
sentidos
troçamos da noite néscia
e dos que não riem da incerteza
pesámos a sua esperança
era vazia, informe

e

embrulhados numa manta, curta
vestimos os dias em panóplias de cor
e quando parámos o tempo
foi tempo
de fazermos amor

Hoje

te dou
tudo o que sou
como te dás
tudo o que és

complementos da mesma pedra
somos
seremos

Rui Santos

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

Não sei

Estou cansado de esperar
não sei ler entrelinhas

Estou cansado de ouvir o eco
não sei travar o som redundante

Estou cansado de equilibrar a incerteza
não sei beber sem derramar

Estou cansado de içar laços cinzentos
não sei rir sem motivo

Estou ávido de migrar ousado
não sei nadar em círculos

Estou ávido de justiça
não sei ler metades

Estou ávido de conteúdos
não sei fazer embrulhos

Estou ávido de ti
não sei voltar atrás

Rui Santos

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Tons de Outono

É Outono, meu amor
renova-se a vida
gasta-se a cor
mas eu, sou feliz
desenho no Sol
a vida que quis

Tenho uma janela
ampla e bela
tenho uma luz
que entra por ela
Tenho mil sóis
que querem partir
Tenho o Outono
pronto a florir

Tenho uma história
escrita na mão
de quando na vida
fui solidão
mas tenho uma força
que canta um segredo
porque te dás
dou-me sem medo

São laços de aços
soltos no chão
são sonhos livres
colados na paixão

E tudo fez novo
e o Outono
amanheceu
E hoje é Verão
como eu
sou teu.

Rui Santos

terça-feira, 8 de setembro de 2009

brilha, em cada cor

De nenhuma cor
lhe retires o brilho
e em nenhum paladar
te esqueças do sal

Que em cada música
encontres o teu balanço
e em cada sonho
vejas a voz que te guie

Se estíveres na cidade
sê simples, como és
se a ilusão do encanto, oco
te levar, pela futilidade da vida

Se morares na aldeia
ergue sempre a cabeça
Que as tradições, vazias
não te pesem, sem causa

Olha para cima
o céu é azul
O sol espera por ti
seja noite, seja dia tardio

Onde estiveres
estarei contigo
em cumplicidade
nos dias de dia
e nos dias de noite

Sentirás a minha mão, na tua
e eu, sentirei o teu dormir, em mim
talvez sonhes
talvez te beije
sonhando também

E vem a alvorada
os olhos se cruzam
E renovam-se as palavras
pela vontade da razão

Nunca serão as mesmas
mas todas dizem
como o brilho de cada cor
te amo
pequena flor

Rui Santos

terça-feira, 1 de setembro de 2009

emoção

de nada vale a pena
se não derreter o coração
quando somos tocados
com uma terna e suave emoção

RuiSantos

terça-feira, 25 de agosto de 2009

Nos olhos da madrugada

Nos teus olhos eu pinto a madrugada
Na paleta das minhas cores
um sorriso me provocas.

Nos teus olhos
saltita a menina, de sorriso rasgado
No teu rosto
brinca um rio, de ousadia serena
No teu corpo
balanceia uma viagem insubmissa, de lufadas tropicais

Nas montanhas
Nos vales
Nas terras estéreis
No prado viçoso
Encontro o teu olhar
quando me despes a alma
e te aninhas, dançando em mim

No tempo, que desliza, sorrindo
Na escarpa, que se dobra, amando
No mel, que se adoça, beijando
No sonho, que se vive, ousando
Estás
Estamos

Somos
estrada
grito, mar
terra iniciada
um passeio á beira mar

Um gesto de loucura
Uma noite sem rede, nem chão
como quadros criados
pelo desejo da razão

Do nada, fizemos tudo
como as cores de um olhar
E de tudo, nos dêmos
porque dar, é amar.

Rui Santos e Lisa

sábado, 15 de agosto de 2009

Cores do teu olhar

Um olhar
uma cor por pintar

Uma lágrima
uma seiva molhada

Um dia
um sabor por cumprir

Uma certeza
uma dúvida amansada

Um mar
um veleiro por zarpar

Uma partida
uma certeza adiada

Passo a passo
somos ponte
vendaval sereno
pergunta e resposta

A dois por um
suamos somando
vezes sem dividir
momentos de nós

A um por dois
lemos arribas
desenhadas ao amanhecer
na carne, que vibra e renova

Um desejo inunda
o olhar da tua alma
Que os teus olhos
sorriam nos meus
E as cores por pintar
tornem vezes
de vezes
sem nunca precisar

Rui Santos

segunda-feira, 29 de junho de 2009

desabafos

Gostava de ser quem sou
Não eu
Apenas eu
Aquele que escreve sonhos
E ama sem medida

Gostava de ser quem sou
Não quem penso ser
Não quem gostarias que fosse
Mas, apenas eu
Buscando quem me encontre
Pleno de dúvidas e certezas
De que nada tenho como certo
Apenas um dia a seguir a outro
E a permanente angústia
De que tudo é efémero, ilusão
Onde as sólidas certezas
Apenas são estados de espírito
Que o dobrar do dia, esfumará

Gostava de ser quem sou
Simples
Quebrando imagens, de sapiência
Queimando regras, de conduta
Trocando o certo, pelo incerto
Delicioso, irresistível
Como tu
Diamante eterno
Pedra sem anel
Insaciável de saberes
Em mares de sabores
Que me aportaste
Sem querer, sem saber
E perder-me, em conjecturas
De, se, e quando
Ao invés de como e porquê
Castrador, inibidor, prepotente

Gostava de ser quem sou
Mais um sobrevivente, na vida
Mais um lutador, sem ânimo
Mais um nome, numa sala cheia
Que te anima, com um sorriso
E sorri quando te beija
E te beija, quando te abraça
Sem hora, sem dia
Apenas porque, sim
Porque é necessário
Saber-te rir
Saber-te viver
Saber, simplesmente
Que valeu a pena
Ter-me dado
Sem saber como
Nem porquê

Gostava de ser quem sou
Não quem tenho de ser
Certo, seguro, certeiro
Conveniente, cómodo, popular
Apenas um passageiro na vida
Partilhando pensares, sentires e afectos
Sem planos
Sem datas
Mordendo metas
Vogando ao som das palavras
Incontroláveis, escorregam de mim
Para ti
E quebrar, o equilíbrio precário
De quem posso ser
Sem ti

Gostava de ser quem sou

Alguém que chora em silêncio
Porque os homens não choram

Rui Santos

hoje

o tempo de cada jornada
resgata-se vezes sem fim
levando em cada tirada
pedaços quebrados de mim

trocámos sonos, por sonhos
deitámos noites, no chão
pintámos auroras, sorrindo
quebrámos pedaços, de não

perguntámos sem medo
ao tempo
pelos poemas, a ler
pelos beijos, a dar
se os rios
ainda correm,
para o mar
e o tempo contou-nos histórias
de multidões de memórias
coloridas, sem par
de quando o tempo, sem tempo
parou, para sonhar
devaneios breves e doces
escritos soltos ao luar
levados por ventos loucos
salgados, de tanto chorar

e hoje
o tempo parou
para te ver sorrir
sorri, pois
pelos dias molhados
pelas noites sem luar
mas, acima de tudo
sorri
porque hoje
o tempo parou
por ti

Rui Santos

eu

quem sou?
perguntas

quem sou?
pergunto

fogo, explosão
água que dorme
palavra contida
pensamentos, sim, não

bloco de apontamentos
conto por terminar
capa de lamentos
quero respirar

beco sem saída
mar por arar
terra contraída
força a dobrar

um parto a parir
uma vontade de viver
um grito para sair
outro, para ter

sou o que sou
uma voz, um livro
um doce retiro
temperado a sal

uma vida cozinhada
uma dor resgatada
eu
meu rival

Rui Santos

mais que letras

vida, vida
quanto te consomes,
na busca da razão
no lamento cego, inútil
na ferida, que teimas em ter
na dor, que doi, e fazes doer

vida, vida...
quantas vezes insistes em viver
e cansada recuas
quantas vezes és adiada
pelo nada, seguro
retomas a estrada
e vais sem rumo

vida, vida...
não sabes que és mais que letras?
não sabes o fogo que corre em ti?
Dei e recebi
chorei e ri
que mais queres de mim?

solta o cativo não seguro
que se perca
que se queime
que viva
além de ti
vida

ruisantos

raiva

Nada sinto
Paro o tempo
Na busca de mim

Em rodopio
Percorro as estradas da vida
E bebo a raiva
Da noite insone

Grito a dor enegrecida,
Injusta, selvagem
Esvazio-me
De memórias doces
E sou
Uma alma nua
Intocável

Sem sentir o sal da vida
Nada me dói
Nada tenho
Apenas esta raiva surda
De existir sem saber
As sortes vindouras
As horas que faltam
Para o renascer, fugaz
De uma saudade futura

Contudo
O sangue quente
Ainda crepita
Na busca da completa quietude
Merecida
Em mim

RuiSantos

descontos

cansado

estou cansado
de estar cansado

preciso de saber
do que preciso
para não estar
cansado

quem quero ser?
outro eu?
renascer?
comprar outra história?

que importa
serei o vilão

não vejo o mar
mas sei que existe
bem á minha frente
sinto a maresia
molha-me o dorso
seca-me os lábios
num castigo ecoante

sei o que não quero
não quero magoar
não dêem por mim

respiro por necessidade
em silêncio
a um canto sentado
na solidão de mais uma noite
como os restos do dia

descontos
que o tempo me dá
para viver
metade mim
quem me entende?

RuiSantos

olhos calados

os olhos falam calados
falam, gritam e sentem
pelos beijos retirados
á solidão, acre e sedenta

os olhos falam calados
de poemas por escrever
estrofes incertas e soltas
que á solidão vão colher

os olhos falam calados
por vezes até demais
despem beijos molhados
loucos, distantes, reais

os olhos falam calados
palavras prenhes de ti
perdem-se os dias contados
nas palavras, que te li

RuiSantos

mais

Mais
Que um sonho abafado
És a certeza
Do meu ser

Mais
Que um dia adiado
És um rio
A renascer

Mais
Que um ano, de palavras
Ou uma vida, sem querer
És um momento, sem tempo
Que corre
E faz correr

RuiSantos

Mar

mar
eterno e sedutor
encerra segredos
devolve mistérios

mar
união sem tréguas
de rios revoltos
renascidos
marés que vão
marés que trazem
dorsos ao luar
singelos
por navegar

mar
conta-me
mistérios prudentes
de marés nuas
em praias roucas
sentidas e doridas
ao luar

RuiSantos

és

és
mais que um sonho acordado
és, a vida a renascer

és
mais que um sorriso alado
és, um aroma que dói
e faz doer

és
mais que um sentir
desatinado, em mim

és
loucura serena, renovada
ponte em mares, cruzada
estrada florida, partilhada
rota, sem começo, nem fim

és
um presente, ausente
de pedaços trocados

és apenas
tu
e tanto és...

RuiSantos

por vezes


Estou só
Vendo os sonhos que passam
Solidão
Sufocante, letárgica
Sedenta de vida
Colhe cores afoitas
Desdenha tristezas
Brotam sorrisos
Que enterram vencidos

“ Corro, corro
Fujo de mim
A noite e o dia
Trocam sem fim”

Retorno
Árida secura
De oásis, pontuada
Miragens seguras
Contidas, reais
Sim… entendo-as

Sorrio
Como devo
Finto as horas
Em rodopios inócuos
Roço o desejo
Do ter

O livro manda
Não obedeço
Rasgo a página
Salto sonos
Por doces palavras
Sentado no tempo
Escorro argumentos
Em fios de chuva
Descendente

Gritam

Estás só

Selo a porta pequena
Parto inseguro
Perco a margem
Subimos o rio
Ávidos de ses
Mas...
Sós
Não mais

Rui Santos

livros trocados

Olho e nada vejo
Quero e não tenho
Quem sou?
Que me condeno
Quem sou?
Que te firo
Alma errante
Esvoaço em ti

Tenho
Palavras, por morada
Letras, por trilhos
Incompleto
Inábil de razão
De dias me sobro
De sonhos me visto

Vejo
Mares escarpados
Apetecíveis
Não me retenho
Toco águas de Julho
Mais desejo
Em mais navego

Tolo
Parco de saber
Águas profundas, firmes
Plenas, constantes
E eu
Nada sou
Nada tenho
Apenas, esta força teimosa
De um caçador de livros
Trocados

RuiSantos

sabor ingénuo

felicidade
doce sabor ingénuo
ténue brisa da tarde
tesouro inocente, sem dono
amarras o gigante
despertas o simples
sem pudor, desnudas desejos
sem razão, sorves limites

felicidade
lança farpada
lâmina dupla
matas o medo
decepas a culpa

felicidade
quem és?
inquietas quem te quer
ris, de quem te segura
dona de ti
visitas sem hora
partes
se te despimos

felicidade
quem te teme?
que te nega a entrada
quem te teme?
por te perder
nos ecos da vida

felicidade
aroma fugaz
espelho de águas plácidas
respiro-te
vejo-te

leva-me

Rui Santos

o livro

passam os dias
passam as noites
leio instruções
decoro a página

capitulo primeiro

certezas inúteis

quarenta e sete razões para sorrir
uma
para não cumprir
quero rir
quero voar
quero ser eu
enlouquecer na miragem
dar o certo pelo incerto
cair
da noite adormecida
indolente, paralela
salvar o dia
enquanto é dia
partir
na certeza do incerto
lamber o sal, molhado
perder-me
em ruas abssintas
correr para nada
e para tudo
viver sofregamente
instante a instante
e dormir...
sem pensar
nos anos que perdi
nas noites de espera
pelos dias descalços
sensuais
apelantes de vida
trilhantes do ocaso
mas...
meus
como o livro
meu, também
que se perpetua
sem fim

Rui Santos

Dá-me a mão

“batem as asas, libertas
rumam sem rumo, mais além
ágeis, de vida incerta
instantes que o tempo tem”

dou-me
a quem me recebe
não me detenho
não me quero
sobrante de mim
partilho, sem portas
espero, loucuras
suporto, distâncias
nego, regras, benignas
quebrantes de sonhos
que em cinzentos zelosos
selam o dia

abraço o porto
ato-o á alma
feliz
pelos dias perfeitos
vividos de novo
e choro
as partidas, rasgadas
mas ficar
é negar-me
ao louco que sou
não me nego
não mais
não me detenho
não mais
volto á estrada
matizada de sabores
em rios que correm
sofridos
e retorno
á teimosa força
de ser, quem sou

ao teu encontro
vou
vem também
dá-me a mão
perde-te
em mim

“corpo de mar,
alterado, quebrado,
molhado
na ânsia de chegar"

Rui Santos

considerações sobre um tema

O amor não acaba

Cresce, sai de casa
Trabalha, dorme
Descansa, brinca
Passeia á beira serra
Cai, magoa-se, grita,
Exaspera
Desespera na espera
Mas
Não acaba
Se intimida, sem mais
Então
Não é amor
Foi apenas
Um sucedâneo, do amor
Um devaneio, amoroso
Uma paixão, desbragada

O amor
Quando entra
Instala-se
Em cada nesga de espaço
E cada recanto
Tem o seu nome gravado, a carmim
Pelas batalhas, retalhadas a pulso
E o seu aroma, inconfundível
Responde a cada desafio
Se porventura
Toma imagem de ausente
Mero engano
Está lá
Distraído, absorto
Enredado em pensamentos enleados
Por vezes
Brincando
Apenas pelo prazer de brincar, e rir
E contagiando com seu riso
(quantas vezes a custo)
Amizades, verdadeiras

O amor
Aquele que faz morada em casa alheia
E a chama de sua
Esse
Sorri
Sorri, pela cumplicidade encontrada
De quem ouve em uníssono
O silêncio revelador de um olhar
O grito sussurrado de um beijo
O simples desejo, de sonhar
E quando a incerteza
Por mais certa que seja
Tenta franquear a entrada
O amor, sorrindo
Renova-se
Na face imutável de uma palavra
Que em silêncio, repete

Amo-te

Amor
É um sentir indefinível
Concreto e abstracto
Certeza inabalável
Que
De tão certa e segura
Quando a dúvida, bate á porta
vendo-o sorrindo
Sorri também

Rui Santos

coisas de mim

Não te vás
De mim
És mais que possa dizer
Laço apertado, entrelaçado
Fonte de frescura renovada
Em lava esculpida
Desafio contínuo, ao verbo
Como rio de sangue, escarlate
Espraias em mim
Sedento de ti

Mais e mais, quis
Sem mas nem quês
Subi a colina, frágil, de medos
E vivi, em teu tempo

Vieste
Singela, como sempre és
Deste-te
Em dias e noites, de risos contínuos
Brincamos na madrugada
Trocamos sabores salgados
Na esperança de perdemo-nos
Em paragens abertas, ocasos
Onde renovos brotam em cada palavra
Viajamos, sem rota marcada
Um dia, uma noite, um fôlego
De cada vez

Dei e recebi
Minutos por horas
Partidas por certezas
Manhãs por rosas
Chegadas por desertos
Morei no tempo, sem tempo
E do tempo caí
Em horas brancas
Perdidas, atadas
Permaneço, cruzando margens
Buscando a palavra
Mágica, conveniente
Cómoda, indolor

Sonha, sonha, sonha
Que o sonho comanda a vida

Rui Santos

poesia

Poesia
é a vida sorrir
é a cumplicidade da palavra, não dita
pensada, esboçada
desenhada na areia
que qualquer onda desvanece

Poesia
é a força de viver
de quem vive por amor
é a força de querer
sempre lembrar,
o beijo por dar
a palavra por dizer

Poesia
está aqui
serena, expectante
pela mão que a desperta
em cada tropeço fútil
de mais uma volta vã
contudo, paciente
solta-se, num sorriso fácil
e dá-se, sem medo, nem pudor
a quem a quer receber

Poesia
amiga de noites claras
apaziguadora de dias molhados
intérprete lesta de segredos
assomas por veredas e atalhos
em riachos límpidos, de vida
induzes, sem revelar
roças, sem tocar
luz, cor
manta, que nos aquece
quando o sol se vai
por tempo sem tempo
obrigado poesia

RuiSantos

domingo, 21 de junho de 2009

é urgente

é urgente
varrer os sótãos bafientos
de passados descentrados
em lições perdidas de prazo

é urgente
comprar os dias vagarosos
e ler os instante magníficos da vida
sorvendo-os como água límpida
de um oásis distraído

é urgente
fugir do toque da batida cadenciada
que tenta enlaçar, sufocar e julgar
num inócuo ondular estéril e seguro
como cova inerte e escancarada

é urgente
cantar a ousadia, de rasgar o doce cerco de lamentos
rompendo o coro de intenções simpáticas e perdidas
e reconstruir, edificar e alavancar
cada pedra quebrada e descorada
por tombos fechados e datados

é urgente
suprimir, findar e combater, os pré conceitos
estúpidos e inúteis, de cor, origem e poder
comprados em saldo, ou oferecidos, como excelso tesouro
a quem não sabe o que é a essência da vida

é urgente
ouvir os silêncios, de concelhos sábios
que falam, do que a multidão não sabe,
nem virá a saber
e ensinam o segredo do que sou, o que quero
onde vou

é urgente
sentir sempre, um arrepio, níveo e virgem
em cada sorriso fácil e solto, oferecido por uma criança
e que me recorda, o que o inato construtor de sonhos
que sou, e serei

e sim,
é muito urgente
em cada passeio de mão dada
desenhar na brisa da tarde
um desejo, uma loucura, uma canção
e dizer sem pressa, num lento sussurrar
amo-te

RuiSantos

quinta-feira, 18 de junho de 2009

gotas que rolam

Rolam as lágrimas
porque mais, não sabem fazer
senão rolar, sem querer.

Sentem o mundo
com o peso de mil almas
e nada mais podem dar
senão o afecto
transbordande e incontrolado
de almas sem lugar
Não são deste mundo
nem por cá, ousam ficar.

Um dia, quem sabe
talvez encontrem
um lugar
o tempo certo
o nimbo excelso
o oásis, sem fim
o tempo sem mácula
sem passado bitolante
sem regra aferida

Apenas...
a liberdade
de viver feliz

Apenas...
a oportunidade
de ler mais uma página
na sebenta da vida
sem nada a provar

Sim
rolam as lágrimas
porque são livres de rolar.
Quem segura uma emoção?
quem laça um gostar?

Amar.
Quem entende esta afirmação?
Quem afina, pelo mesmo diapasão?
Quem se dá até ao fim?
Quem esquece a razão?

A ti
Sim, tu
que me lês.
Para ti, singro nestas palavras
que te são amenas
serenas, suaves e doces
e para mim
quentes, incontidas, e parcas
e deslizo, emperrado
em horas, de minutos
e em dias, de noites
para te ver
ter
dar
o que guardo em tesouro
o que tenho por diadéma
o que sou, sem saber
um grito, neste peito
uma terra de sal
por verter

Não, não sou deste mundo
sou da ilha da alegria
da esperança, confiança
e um toque de utopia

Onde as lágrimas rolam
por não poderem dar
nada mais que lágrimas,
livres
neste imenso
amar

RuiSantos

terça-feira, 19 de maio de 2009

caixas

Dor
gélida de nadas

de acasos avesos

de paredes uniformes

de ataduras enleadas

de raiva injustiçada

de continuidades inuteis

de tempos adiados

de cansaço cristalizado

de te doer

odeio dor

guardo numa caixa
a dor
o desespero
o cansaço
a inceteza
e
quando ela se abre
abro também,

a caixa

do amor
que combate a dor
da esperança
que alivia a dor
da cor
que apaga a dor
da luz da manhã
que seca a dor
do sorriso da criança encontrada
que sorri da dor

e as dores, domadas
voltam para as caixas
fechadas
e todas as caixas
sem dor
as cobrem
de amor

RuiSantos

pela manhã

Não podemos deter o tempo
Mas encontrar o tempo certo
de cada amanhecer renovado
é sabedoria sem data
que torna grandes e seguras
as pequenas e simples vitórias
e a nudez fria da noite
se veste embalada pela manhã.

RuiSantos

instantes

instantes
ilusões serenas
sedeadas no manto diáfano do tempo
rompem manhãs de memórias
em devaneios opacos de razão

instantes
trocos, que a vida dá
pela essência da alma, nua
despudorada, renascente
que por instantes
esquece
que o instante
hábil, fenece
em ontem
escasso e débil

instantes
prelúdios do provir
anseios tresloucados de sentir
deleitosos, em artes ousadas
nem sempre de razão
nem sempre são
o que são

instantes
rasgos da vida
cosidos no tempo
segredos levados
de desejos tragados
pela mão da razão

instantes
quais os teus?

ruisantos

sábado, 16 de maio de 2009

cor do vento


Soltam-se ventos
na madrugada fria
Soltam-se cores
com cheiro a maresia

Quem os ouve?
Quem as vê?
Quem tem na língua
o paladar do porquê

Quem não dorme deitado
com o dono da razão
Quem tem lágrimas de mar
quando diz , não

São ventos de mudança
em cores por inventar
Espraiados na ternura
De sons de terra e ar

São as voltas que o vento dá
lidas com perfeição
em cada lado trocado
pelas raias da razão

RuiSantos

isso, eu sei




Não tenho quarto nem janelas
tenho vontades, desejos, emoções
sonhos, saudades, ousadias
dias e noites tardias
pingadas de razões

tenho amor para dar
e espaço para receber
tenho portas abertas
de par em par
tenho um rio a correr

tenho lágrimas acabadas
de pensamentos sem sol
tenho ar, vida, força marcada
e de alegrias, tenho um rol

uma mão cheia de tudo
e outra cheia de nada
é tudo o que tenho
desta vida recheada

sou o meu resultado
do que fiz e não ousei
sou quem te ama
isso,
eu sei

RuiSantos

quinta-feira, 14 de maio de 2009

falam as palavras

falam as palavras
na alma sussurada
que o vento leva

falam os silêncios
na estridência de pensamentos
sufocados

falam as memórias
no ocaso diluido do tempo
ingrato

falam as paredes
testemunhas serenas do futuro
carente

falam as almas
do que as palavras não falam
por não saberem dizer
quais os ventos que trazem
a sabedoria do viver

ruisantos

Felicidade, definindo o possível


A demanda da felicidade é uma saga de muitos capítulos que penso nunca ver o seu fim. Tal pote de ouro, no fim do arco-irís.
Como encontrar algo transparente, diáfano, sensível, que se escurece e intimida com um arcar de sobrancelhas?
Como fechar em local seguro o que se renova diariamente, sob pena de murchar e perder a voz?
Felicidade, uma definição impossível, no entanto, a razão da nossa existência.
Como tudo, o que depende do ponto de vista do observador, poderá ser relativo, ou não.
Para uns, é manter a cabeça á tona de água, respirando apenas.
Para outros, férias no fim do mundo, concretizando sonhos, de anos de privações.
Para outros, um pouco de paz, pacatez, segurança e uma vida com objectivos e metas.
Dentro da relatividade da vida, vivemos momentos absolutos que não se repetem nem se prevêem.
Sentimos em cada poro da pele, a gota de suor que derramamos, na busca do momento supremo de amor, vitória, alegria, realização pessoal ou simplesmente, o conforto da paz.
Momentos felizes, sem dúvida que os há.
Talvez a felicidade, seja apenas isso.
A soma de casos felizes.
Momentos coloridos, que se projectam na continuidade da sua história.
Sobre cacos, feridas e desvarios. Sobre sonhos emoções e ilusões. Sobre pinceladas azuis de esperança, como que, se renovando e revivendo.
Diria que a felicidade é uma escada, que se sobe, degrau a degrau.
Degraus, frágeis, que se quebram, com o peso da dúvida.
Degraus, que por vezes, nos são retirados sem aviso, sendo a queda grande e sofrida.
Degraus, de tão gastos e puídos pelo uso, que já não acompanham o peso de um pé, numa vontade viçosa.
Galhos de uma escada, que tenho subido e descido, sempre que relativizo o impossível.
Como entender que tenho a relativa certeza absoluta do amor? Ou, possuir uma não certeza, de ser correspondido?
Como se edifica na insegurança?
Assim é a felicidade.
Ou é, ou não é.
Dos cinzentos, que a vida me impõe, estou servido. Não quero semear o que mais tarde irei colher a contragosto.
Felicidade, sim.
Mais ou menos, não.
Felicidade, é uma flor que murcha, com a turbulência da dúvida, e floresce, com a rega da certeza da esperança, de ser feliz.
Por vezes, penso em quem não se atreve a sonhar, em quem fica na certeza vazia, do dia que se repete.
Em quem tem medo, da dor de ser feliz. E revejo os meus dias de sufoco e impotência, afundando-me num poço negro, que se fecha e engole.
Tempos confortáveis de nadas, deitados em coisas nenhumas.
Vidinha de uma vida que corre.
Felicidade.
Tem de ser absoluta. Uma entrega total, para o seu retorno ser, total.
Definindo o impossível, diria.
Felicidade, é a flor, absolutamente maravilhosa, que se colhe, de uma vida relativa, que flue, sem parar.

RuiSantos

domingo, 10 de maio de 2009

no fio da navalha

cada curva
um desafio

cada rio
uma esperança

cada recta
um respirar

cada posse
uma ilusão

cada entrega
um ganho

assim é, vida
nada temos
nada somos

vivemos num trilho
falivelmente planeado
sem queixume
na certeza do incerto
e nos momentos que se disfrutam
exuberantes, rasgados, trocados

emoções, coreografando vida
e as razões que a sustém
necessárias
seguras
frias

e a vida continua
no fio da navalha

gotejando rios vermelhos
verdes de esperança
e azuis
de um olhar
mais além
sem fim

ruisantos

Saudades de ti


M,
Dias existem em que nem penso em ti, no entanto, no entanto, outros passam, durante os quais não páro de pensar em ti. Tenho muitas saudades, sabes. Nestes dias revejo tudo o que fizemos juntas e nas palavras que partilhamos, das quais, na altura, me recusei imprudentemente a retirar qualquer aprendizagem. Achava então que já tudo sabia e tu nada poderias acrescentar. Que estupidez arrogante a minha! Quanta saudade de te ter perto de mim, com essa tua forma de estar fácil e alegre que sempre usavas para meu benefício.
Sinto que desperdicei grande parte dessa tua adoração incondicional, que não mais voltei a experimentar em parte alguma. Também o meu amor e compreensão por ti foram totais, porém, cometi o erro fatal de colocar alguém à tua frente. Um erro que ainda hoje pago bem caro. Bem me avisaste, com esse teu carinho e cuidado, para que não me magoasse, agindo sempre com actos defensivos para que não me magoasse. Mas eu não quis acreditar e recusei-me a ver a realidade amarga que hoje tenho que encarar sem ti. Pago muito cara a minha leviandade.
Hoje escorrem pela minha face, algumas lágrimas de saudade, as quais limpo rapidamente, reconhecendo que a elas não tenho qualquer direito. Espero não te desiludir pelo resto da vida fora, mas estou hoje certa de que nunca conseguirei ser metade da mulher que tu foste: capaz de, estoicamente suportar grande sofrimento e desilusão, mantendo um sorriso alegre. O meu sorriso apagou-se há muito e este que uso é uma máscara que tu rapidamente detectarias se estivesses aqui.
Foste para mim, um exemplo de tudo e espero ter conseguido poupar-te a desilusão de não ter a capacidade de corresponder às tuas expectativas para mim. Sei que me perdoarás, tal como sempre o fizeste....e não ligues as estas lágrimas que me escorrem dos olhos com alguma frequência, pois afinal temos mais em comum do que possam pensar.

MP

sábado, 9 de maio de 2009

Lições de Vida



D,
Amiúde vou pensando em si. Uma lição sobre como uma vida fácil e descontraída, de repente se transforma num pesadelo difícil de desembrulhar. Uma lição sobre a importância e efemeridade do “fácil” e sereno, e da pouca importância que lhe damos até ao momento em que o perdemos.
O seu é um trajecto que terá sempre que trilhar sozinho. Não tenho ainda a certeza se já o percebeu, mas não existe companhia possível neste seu caminho, apenas presenças, cais onde atracar para descanso. Nada mais na vida será simples ou gratuito, pois a partir dos 40, tudo se paga, de uma ou outra forma. A vida tem sempre um elemento de justiça impiedosa, onde acabamos por perceber que tudo se paga...todos os pequenos erros e percalços, todas as facilidades, todos os gestos irreflectidos.
Cruel? Talvez, mas eu penso apenas que o mundo possui uma implacável justiça intrínseca, pois com o nosso fim, nada mais existirá senão cinzas esquecidas, por um mundo que continuará sem que a nossa falta seja sequer sentida.
Espero sinceramente que saiba caminhar, nunca se enganando em tomar como certo e permanente, aquilo que nunca o poderá ser .
Cada sol que nasce poderá ou não sempre ser para nós, num jogo permanente onde toda a prudência é pouca e onde sempre arriscamos a nossa própria vida a todo o momento.
MP

terça-feira, 28 de abril de 2009

a quem me dou


sou

viagem contínua
num esvoaçar liberto

estrada cansada
molhada num deserto

nuvem ligeira
que o sol pintou

sou, a vida inteira
tecida a quem me dou

ruisantos

segunda-feira, 20 de abril de 2009

conheço

Conheço quem me faz rir
Na patética busca do equilíbrio
Entre a carne e o ser

A carne quer carne
O espírito sonha
O homem sofre
Seduzido pelo desejo
Vagueia em labirintos compactos
Na esperança de saber quem é
Perder-se na esteira do tempo
Esquecer-se das razões
Que o fizeram parar
De pensar
E ousar

A carne quer carne
Como o espírito quer vida
Eterno sonhador
De sorriso franco e aberto
Em ténue equilíbrio
Entre a alma, da alma
E a alma do corpo
Insaciável na busca da ilusão
Que alimenta o sentir
Desassombrado e real

Em assomos de virtude
Rompe a âncora lamacenta
Lufadas de espuma límpida
Embalam, queimam, quebram
Horizontes azuis indolores
Despontam…Convidam
Caem as trevas

Descobre a paz
Ao alcance de um dedo
Amor
Basta amar
Sonhar
Basta querer
Plana montanhas
Voa no limite
Incólume á carne
Egoísmo, inveja, injustiça
Adormece

Abalado pelo dia
Acorda
A vaga é alta
Âncoras nascem
O homem oscila
Sorvendo aromas
Secando sal

Não, não pares
São as dores do caminho
São os dias de parto
É o preço da liberdade
Comprada a pulso
Nas encruzilhadas da vida

E o homem chora
Pela raiva, que faz calar
Nos sussurros da carne, que ri
Pelos gritos do espírito, que vive

Conheço quem me faz rir

Sempre o conheci

ruisantos ( 1996)

Na lomba do tempo

instantes
segredos revelados
numa lomba do tempo

expiram
quando a mão adormecida
desiste da liberdade segura

envolve-te
na raiz que semeias

inspira-te
na força serena que és

vive
no risco da dor, rasgada
de quem vive, sem amarras

parte
para o recomeço imprevisto
de doces instantes, por dizer


raiz de luz, serena
história solta, por contar
louca manhã, incontida
um passeio, até ao mar

ruisantos

sexta-feira, 17 de abril de 2009

formas de sentir

o amor
é uma continuidade de prazer
que suplanta
a dor da distância

rs

Embrulhinho



Querida L,

Fui-te ver quando tinhas apenas um dia, doce embrulhinho cor-de-rosa, enroscado na sua mãe. A “Mãe” já mal disfarçava a sua preocupação contigo, relevando para segundo plano o seu próprio desconforto. Assim vai ser durante toda a tua vida...mulheres guerreiras olhando cuidadosamente pelas suas crias, velando sempre por ti, quando mais precisares e menos esperares.
Ao longo dos anos serão muitas as vezes em que se exasperarão uma com a outra, mas fica sempre segura de que ela quer-te desde o primeiro dia, acima de tudo e todos, que o teu lugar será sempre o primeiro, mesmo quando tiveres já voado para fora do teu ninho.
Eu bem vi os seus olhos brilharem apesar do seu cansaço, quando postos naquele embrulhinho cor-de-rosa. Já uma frágil guerreira pronta para um novo papel na sua vida: a “Mãe”! Justamente orgulhosa da sua obra...a sua Nô, de inocentes olhos negros, aconchegada nos seus braços. Quanto carinho eu vi nos olhos da mãe e da avó. Foi tanto que me comovi, acredita.
Bem vinda ao mundo Leonor!
Foste recebida com honras de princesa e assim serás para sempre. A vida tem coisas más, eu sei, mas também tem uma beleza indescritível, cheia de cor, luz e belos sons. Serás rodeada de verdadeiro amor e carinho, estou certa, tendo tudo o que mereces, pois zelarão por ti guerreiras para quem serás sempre um doce sopro de alegria.
Nestes momentos tenho imensa pena dos homens, da sua incompreensão, dos seus medos tolos, de tudo aquilo que, sem sequer saberem, acabam por perder.
Sê feliz minha linda flor.


MP

pensamento no vento




Uma sombra incontida
num doce deslizar
uma palavra, um caminho
pintado, de sal e mar

Uma viagem no espaço
uma lágrima que rola
um leve embaraço
numa gota que se solta

Um sorriso, uma loucura
um amor de paixão
que nos move em ternura
sem quê, ou razão

Comigo levo momentos
pedaços de saber
tiras de uma vida
cansada de correr

Sou pensamento no vento
chuva farta, em lago florido
uma força que desenho
nas margens, do tempo vivido

Sou quem te ama
sem pudor de te amar
sou apenas eu
neste simples navegar

ruisantos

terça-feira, 14 de abril de 2009

Margarida

Oh Margarida,
Estou certa de que estás bem acompanhada, enquanto tantos de nós aqui sózinha no meio desta louca multidão. Podias ter ficado por cá mais tempo. Podias ter-te despedido, mas eu compreendo que não te deram tempo para o fazeres. Um dia iremos ter contigo. Sei que nos esperarás e receberás bem quando chegarmos, não nos levando a mal a longa espera a que te sujeitamos.
Tu és uma gaivota livre e nós incapazes de nos libertarmos das amarras fúteis desta vida efémera que levamos, dos nossos fardos e “prazeres” que no final a nada levam. Mas é preciso ficar...garanto-te! A chama precisa arder penosamente até ao fim.
Temos saudades da tua voz de passarinho...asas de vento, coração de mar...
Quem escreve sou eu, a papoila, mas todos pensamos diariamente em ti, e por vezes choramos.

MP

Talvez


Talvez

Não quero tudo
Ter tudo é perigoso
Pois quem tudo quer
Tudo pode perder
Mas queria mais
Mais um pouco apenas
Porquê tão perto e tão longe
Tanto de mim para dar
Tanto de ti para receber
Esses momentos de silêncio
Esses abraços fortes
Que não querem nunca soltar-se
Fazes-me falta
Sempre fizeste
Mesmo quando eu não sabia
Que era de ti a solidão que sentia

MP

reflexos de sol, em ti



M,
Estou aqui sentada na esplanada, apanhando o sol da tarde, olhando as águas azuis e tranquilas do Tejo, vendo os veleiros chegarem e partirem. Debaixo da esplanada flutuante a água é verde e nela nadam pequenos peixes em cardumes. À minha frente, dois apaixonados trocam olhares de fome e desejo, deixando que as suas mãos se toquem quase distraidamente. O calor do sol aquece-me e tranquiliza-me. Sinto apenas a tua falta … das estrelas que brilham nos teus olhos, do teu sorriso aberto, da tua voz lenta e profunda, dos teus lábios frescos e carnudos e desse teu narizinho delicioso.
Fecho os olhos e evoco a tua imagem … já a conheço de cor. Lembro-me das tuas mãos , as quais nunca sabem bem onde se colocar, das tuas pernas macias e musculadas, da forma como fechas os olhos mantendo-te sempre nervosamente alerta. Raramente em paz, sempre preocupado...meio ausente.
Vives intensamente, sempre sem tempo, correndo tímidos riscos, provavelmente para te certificares de que continuas vivo. Como gostaria de te oferecer paz, de que aprendesses a saborear a tranquilidade e o silêncio. Eu sei que saberia ensinar-te, mas a tua vida está traçada para viveres a correr sem olhares bem o que se passa em teu redor. Até os teus prazeres são rápidos e intensos...cronometrados.
Serás feliz? Será que algumas vez pensaste nisso, será que alguma vez te atreveste?
Bem sei, talvez melhor que ninguém, que a felicidade é efémera, mas sempre existem momentos...momentos inéditos e deliciosos que não se compadecem com o relógio.
Somos tão diferentes...


MP

“quase” não passa de um jogo


Olá P,
Sei que estás sempre por perto, pois aquilo que partilhamos não é coisa de subestimar, mas sim algo mais íntimo e pessoal do que a própria intimidade entre um homem e uma mulher. Não passa um dia em que não pense em ti ou nas tuas palavras, pois o vínculo entre nós não foi fruto de acordo assinado, nem se manifesta pela proximidade física. Aliás, sei bem que ambos nos mantemos afastados deliberadamente, um pouco por receio da proximidade que poderá advir de cada vez que estamos os dois juntos.
Falas-me dos teus amores e das tuas paixões, aquelas que entram e saem da tua vida a um ritmo que me parece veloz...enquanto eu vou pairando, sempre no meu papel, num lugar que mais ninguém ocupa.
“Já gostei mais do que gosto...mas sim, estou numa relação tranquila”. Na realidade, penso que fantasias e nos enganas de propósito, pelo puro receio do risco de uma aproximação maior. Eu limito-me a fingir que acredito, pois também eu acho pouco prudente chegar mais perto.
As palavras que trocamos não passam por mais ninguém e eu conheço a tua alma, aquilo que finges teimosamente não ser, a tua insegurança e esse teu jeito falsamente abrutalhado quando necessitas de voltar a ter-me mais próximo de ti.
Sei que mesmo de longe, me olhas tal como eu a ti...me vais vigiando e por vezes chamas por mim, requerendo a minha aprovação para afastar as tuas inseguranças, ou para testar o equilíbrio de forças entre nós...mas tu sabes que eu preciso de ti, de saber que estás por aí, de ler as tuas palavras que aquecem os pedaços do meu coração.
“Esteve quase”, disseste tu. Mas “quase” não passa de um jogo, que tantas vezes surge em momentos mais solitários da vida, também com estas se desvanecendo.
Quero-te bem...sempre. Mas tu sabes...

MP

fugas e momentos


M,
Não chega! Não chegam para me preencher, os encontros fugazes e ritmados, umas escassas horas de amor “roubadas”, umas conversas breves, umas mensagens. Não chega sequer para iludir que existe algo um pouco mais intenso. Uma atracção, um desejo que todavia não chega a transportar ansiedade.
O investimento é insuficiente, prevalecendo os sentimentos racionalizados e devidamente colocados nos intervalos convenientes da vida. Essa vida real e responsável, compartimentada nas suas prioridades: trabalho, família, amigos e lazer. Eu não faço parte de qualquer uma destas vias, na vida de quem quer que seja. Tenho vindo a afastar-me com um certo sucesso, do qual me orgulho, pouco ou nada reagindo às vozes que ainda me provocam no sentido de re-haverem o meu investimento pessoal. Também contigo eu sou cordial e dócil, tendo as palavras ou os gestos deixado de me tocar e muito menos magoar. São apenas lamentáveis as coisas que por vezes se dizem, as atitudes que se tomam. As palavras não são sentidas, sendo usados superlativos e excessos, que em pouco ou nada correspondem à realidade. Eu sou rigorosa com as palavras, tratando-as com tanto ou mais respeito do que trato as pessoas, usando-as com parcimónia e honestidade.
Aqui há algo de errado, algo que não é dito, algo do qual apenas se foge. Não censuro as fugas dos outros quando eu própria sou perita em fugir, no entanto sei que as fugas significam em si uma inquietação e o pressuposto de um retorno a porto seguro. Fugas são apenas momentos. Bons sem dúvida, mas não se pode pretender que sejam mais do que isso mesmo...pequenas fugas a um quotidiano insatisfatório e insípido, a uma vida segura, todavia monótona e falsa. É sempre fácil demais assumir a falsidade como se da verdade se tratasse. Difícil arrasar o mundo e começar de novo sobre os destroços da devastação. Difícil demais para quem já esgotou os esforços em tempos de guerrilha infinda.
Tudo isto pouco ou nada significa para além de fado ou novela barata. Apenas mais uma pequena faísca na escuridão da vida pela qual, bem ou mal, optamos. Por mim, sou pedra e jamais me iludirei com palavras, pois conheço-as bem e sei do seu poder efémero.
Corações partidos não amam. Corações desiludidos jamais se voltam a iludir. Tudo o resto são momentos que acabamos, mais tarde ou mais cedo, por apagar da memória, regressando às seguras pedras da calçada que nos habituamos a pisar tomando-as como certas e seguras até ao dia em que, subitamente, nesse mesmo chão se abre um buraco intransponível do qual não há retorno possível. Não deixa então de ser espantosa a resiliência e capacidade de adaptação de cada um perante os erros cometidos.
Porém, é aí que começa a verdadeira cruzada da infelicidade...quando amargamente tomamos consciência de tudo aquilo que perdemos e não mais poderemos re-haver... de tudo o que poderia ter sido e cujos caminhos acabamos por destruir inexoravelmente.

MP

sábado, 11 de abril de 2009

encantos


A,
Por vezes a vida surpreende-nos colocando no nosso caminho pessoas inesperadas e diferentes daquelas que habitualmente encontramos. Quando tal sucede, torna-se impossível não sermos tomados de uma certa curiosidade e atracção. A experiência de uma vida permite-nos concluir que, basicamente, os homens são semelhantes guardando traços comuns que podemos antecipadamente esperar, e reconhecer com um sorriso no momento que eles se apresentam. Porém, existem ocasionalmente seres que, de alguma forma, nos surpreendem com gestos e aspectos audaciosos e inesperados.
Foi o teu caso.
Seria pretensioso dizer que és diferente de todo o mundo, pois todos temos emoções e formas de estar em comum. No entanto surpreendeu-me a tua sinceridade e abertura, a forma honesta e frontal como te afirmas, a prudência (certamente ditada pela tua própria experiência de vida), o gosto despudorado pelos prazeres da vida. Tens uma forma generosa e fácil de partilhar as tuas emoções e os teus sonhos, como se sempre tivesses acreditado e confiado em todos aqueles que atravessam o teu caminho. Há nesta forma de estar, alguma ingenuidade que me desperta carinho e vontade de estar. Estar contigo é fácil e agradável.
Momentos ocorreram em que me apeteceu abraçar-te, pois é esta a melhor forma por mim encontrada, de receber e dar, de partilhar o sentir que vai para além das palavras. És especial sim, na forma corajosa de te afirmares e nessa notável capacidade de te expores de um modo tranquilo. Porém, persiste um aspecto muito curioso...um aparente fosso, uma barreira protectora colocando afectos profundos de uma forma distante e por vezes até...fria...
Perante isto, o que eu sinto é uma certa relutância face à atracção despertada. Um homem complexo seguramente, cujo trajecto de vida o torna indeciso. Um homem pelo qual terão passado oportunidades que deixou esgotar, talvez por não ter bem a certeza se as deveria ou não aproveitar.
Uma carência grande de proximidade, ternura e partilha. Um certo desencanto com os outros...enfim uma certa solidão e isolamento.
Temos algumas coisas em comum, as quais não sendo muitas, são profundas e relevantes. Eu sou uma boa pessoa, generosa e frontal, porém, uma inimiga implacável e temível. Tu és uma pessoa boa...muito melhor que eu...
Procura ser feliz!
MP

quarta-feira, 1 de abril de 2009

barca

Amor é uma barca
com vela enfunada de beijos
Voga por ondas alterosas
aproada á luz que a guia
Transporta planos
lágrimas e risos
razões, emoções e ilusões

Não tem hora de chegada
nem dique que a faça parar
Livre leve e fluida
bolina para avançar
Leva mapas na bagagem
de portos por aportar

Barca louca e sensata
barca simples de amor
Esta é a minha barca
pintada da tua cor

ruisantos

voltas da vida

cada dia tem a sua noite
cada noite, um amanhecer
são voltas que a vida dá
para ensinar a viver

rs

segunda-feira, 30 de março de 2009

alma livre

Molho a imaginação
no mar de desejos
suaves e agrestes

Solto gotas fecundas
em viagens deslizantes
embaladas no imaginário intemporal

Oiço volteios saudosos
sequiosos de mel e sal
loucos... teimam em gritar

A força de palavras sussurradas
nas promessas lançadas ao espaço
trespassando couraças invisíveis
de ataduras parcas de riso

E navego, muito além
sem vela, sem dono
desatando trovas por nascer
criando novas moradas
por ti

Alma livre

ruisantos

quarta-feira, 25 de março de 2009

fugas

escapar
do real banal
dos laços do finito
da medida comprada
na emoção contida

escapar
da necessidade urgente
de viver sem saber
quanta noite vai sobrar
quanto custa adormecer

escapar
de voltar a ser
uma ilusão banal
sequiosa de viver
um sonho irreal
numa cama por fazer

escapar
para além do sentir
que ecoa na certeza
que escapar
é partir

escapar
é a leveza do ser
quando nos quer dizer
que escapar
é viver

ruisantos

terça-feira, 24 de março de 2009

liberdade

como um rio que corre para o mar
sem saber a razão
como o vento que dança sem lar
vagueando sem direcção
o homem que quer voar
sente, vive, grita
chora...na emoção
rs

sexta-feira, 20 de março de 2009

gostos

Gostava
de estar ali
pintando nuvens
de cristal clivado, em gotas serôdias

Gostava
de desligar pensamentos
que zoam em trilhos
de cansaço de inútil

Gostava
de ver o dia virgem
invés de um eco
de ideias clandestinas, redundantes

Gostava
de aceitar a complexidade
dos tempos cruzados
como pontos de rectas
oscilantes e fechadas

Gostava
de ver o fim
a uma rede cozinhada
de cobranças infinitas
de imaginação dúbia

Gostava apenas
de estar aí

Fazendo vida

Rasgando estrada

ruisantos

quinta-feira, 19 de março de 2009

da noite

palavras que a noite trás
por não as poder guardar
passeiam pelos dedos
molhados no mesmo mar

rs

formas

mais se diz
no silêncio de um olhar
que no turbilhão de palavras
ocas

rs

pingos

saudades
são os pinceis do tempo
pingando histórias
azuis

rs

quarta-feira, 18 de março de 2009

descobertas

em momentos sigulares
de frescura derretida
numa fenda do tempo
somos errantes vagabundos
na descoberta contínua
de trilhos por percorrer

rs

somos

somos
fugazes nuvens
em desvairados devaneios
de sol e mar

somos
errantes vagabundos
em descoberta pulsante
de mapas por traçar

somos
rios de palavras
suaves e roucas
colhidas, num desejar

somos
a dor da distância
tecida na partida
quebrada num voltar

somos
uma das formas
singelas e parcas
do verbo
amar

ruisantos

quinta-feira, 12 de março de 2009

rugas

nas rugas e asprezas
talham-se pedaços de saber
são cicatrizes compradas
que a vida quer vender

rs

terça-feira, 24 de fevereiro de 2009

soprando amarras


que é feito?
de mim
e das certezas inúteis que me saciam

que é feito?
dos doces recantos
barrados em sorrisos aparentes
expectantes nos vazios de silêncio

que é feito?
do conforto conformado
na contrariedade assumida
fluindo, na mestice de dias pares
já roído pelas cãs de surdos anos

que é feito?
de quem fui
jovem inebriado, riso rasgado
simples, ousado
liso de medos, nas vitórias por vencer

nas dores, paridas de sonhos
semeei novelos de ilusões
descalças
ásperas, cortantes
que me deram?
marés de vazios
sorvedoras de gotas matinais
pequenos nadas, gritantes
coados, pela brisa do ocaso

fui
porto de abrigo
seguro e seco
letras de palavras
roucas de loucas
muralha serena
tecendo a vida

vida
trocada por vida
trocada por tudo
trocada por nada

tenho
chão por cama
saco por mesa
tenho mais
tenho a certeza

certeza
de te ter, sem ter
de sentir, sem te ver
és
a luz, no espaço
um sorriso, um abraço
a paz, emoção
o desejo de ser
um momento sem tempo
a arder, no chão

pensamentos singelos
soltam-se
em tarde fácil
sopram suaves segredos
desnudam
pedaços de alma


ruisantos

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

excessos

sentes
em derrames de ousadia
sorves dias excessivos
permutas saberes de sabores
em cambiantes de sal e riso

soltas
ígneas panóplias sussurrantes
de leves ânsias incontidas
espraiam sentidos silibantes
em esparsas praias perdidas

és
doce tentação
viagem alucinante
momento de mar
lanças sedução
no vento abrasante
liberto, e por soltar

ruisantos

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

quando

quando
as pontas dos dedos
queimam segredos
e um simples olhar
embala a razão
troca-se o espaço
pelo tempo no chão

soltam-se telas
loucas de belas
e o tempo, torna curto
o dia diminuto
adormecido, com elas

momentos de dedos
lançados ao ar
tecendo enredos
em noites de mar
já vestem saudades
em doce bolinar

ruisantos

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

mudos sentires

Há sempre sentires que nos deixam sem palavras
Assim despidos e desarmados
Sem qualquer alma para esgrimarmos na vida
Reféns absolutos dos nossos sentimentos
Sem palavras que os traduzam
Tal como o mudo que não tem como comunicar
Fica no peito este peso
Na cabeça esta sensação aérea
Como se presos e amarrados nos encontrassemos

Um grito!! Dai por mim um longo uivo de angústia

MP

sexta-feira, 23 de janeiro de 2009

apenas dedos

com as pontas dos dedos
toco no olhar
de quem se deixa tocar

com as pontas dos dedos
desfaço segredos
nunca guardados

com a ponta dos dedos
soltam-se os dedos
e dás-me a mão

com as pontas dos dedos
comemos serenos
pedaços de chão

ruisantos

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

palavras

palavras são pontes
que a lingua entrelaça
num contínuo
reinventar

bem leves e serenas,
unem margens de fogo
nesse novo linguajar

rs

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

liberdade

liberdade

uma paz
um poema
um momento
sem tema
um sonho azul

um dia
rasgado ao tempo
uma voz que dá alento
a vida a viver
em ti

rs

vem

sonho nocturno
vida por abrir
doce mistério
cor por sentir

sente o sonho
marca passagem
solta-se a dor
quebra-se a margem

vem o dia
renova o olhar
vem também
não pares de sonhar

ruisantos

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

caminhos

um caminho
uma escolha
um nada que se perde
uma dor que se molha

um viver carmim
uma certeza tonta
um passo hesitante
uma onda redonda

tudo são caminhos
repartidos ou a sós
uns, dependem da vida
outros, de nós

ruisantos

sábado, 17 de janeiro de 2009

horizontes

em horizontes navegados
toco palavras inebriadas
de doces desejos pensados

soltam-se eternos segredos
lendo rumos sem medo
ousados por encontrar

pergunto ainda à vida
que mais serei de ti?
que tens para me dar?

um doce sabor no vento
deitado num relento
em horizontes
por navegar

ruisantos

uma vela

uma vela
ilumina uma casa

um sonho
uma estrada

um desejo
galga pontes

um beijo
as edifica

um momento
uma canção

um raio de luz
uma vela

e a vida
se ilumina

com ela

ruisantos

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

assim

vivendo
sentindo
correndo
negando
sim, não
lampejo de fúria
encosto macio
continuidade inerte
sentindo
vivendo
sou
assim

rs

simples palavras



Que mais te posso dar
Além destas palavras
Que sem medo, escrevo em ti
Que mais te posso dar
Além deste murmúrio
Que em segredo, grita por ti
Palavras singelas e tolas
Como tolo, é sempre o amor
Rimas e trovas que rolam
Em manhãs parcas de cor

Não faço poemas a metro
Nem amo por encomenda
Recuso viver na razão
De dias frágeis, para venda
Perto, longe, incerto
Sem saber por onde vou
Venço os laços do medo
Na busca de quem me dou

Que mais te posso dar
Senão este pensamento
Serás sempre parte de mim
Que mais te posso dar
Além desta ternura
Que em beijos quentes, corre de mim
Pensares soltos ao vento
Como solto sempre é o amor
Sem dia, nem hora, incerto
Roubando os dias à dor

Alma gémea, alma gémea
O teu sonho é igual ao meu
Perdidos em terras distantes
Quebramos pedaços de céu
Ousamos ir mais longe
Sem nada para trocar
Apenas simples palavras
Simples, como o verbo amar


RuiSantos

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

desafios

se fizeres um poema
com o sol e com a chuva

se deixares o coração dançar
em cada batida sincopada

se renovares as águas
barrentas, idas da memória

se romperes os diques
austeros de papel
que te seguram
nas orlas da dúvida

se o sol for o teu olhar
e a chuva
um mar por navegar
sem portos por aportar

sim
serás um arco-íris
em cores vibrantes
a florir
em ti

rui santos

verso

uni verso
é a palavra una
da palavra nasce o ser
para o uni verso retornas
por vezes sem saber
quantas vezes te perguntas
quanto tempo tens para ver
se o uni verso és tu
ou uma palavra qualquer

rs

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Se


E se eu te beijasse, ter-me-ias como atrevida? Devolverias o meu beijo com o mesmo fulgor e desejo?
Por vezes penso e sonho , mas sei que os sonhos são para afastar e sou bem crescidinha para que o possa de facto fazer. No entanto, outras vezes permito-me ir ao sabor da corrente, deixar iludir-me com algo arrebatador e delicioso. Aqui nada é tranquilo, havendo sempre esse elemento de entusiasmo e desejo tão característico da juventude, tão deslocado e impróprio no contexto, tão arriscado no sentir, sempre conducente à imprudência e vítima dos impulsos mais primitivos.
Pois assim sendo, sei que me terás nos teus braços, talvez em breve, talvez mais tarde, mas certamente. Sei que te envolverei num abraço forte que me faça perder em ti, deixando por momentos de ser eu própria para poder ser um pequeno pedaço de ti.
Tenho disso a certeza pois é esse o meu desejo mais intenso, pois é essa a minha perdição. Sentir o teu corpo junto ao meu, cobrir-te de beijos e carícias proibidas, deixando o tempo passar sem dele dar conta. Deixando o mundo girar enquanto me envolvo no calor dos teus braços, sem pressa, sem pressão. O total abandono do desejo de ser possuída, de me deixar encantar com o fruto proibido permanece forte e descontrolado apesar do meu bom-senso me ditar o contrário.
Que será isto? Uma paixão certamente. Arrebatadora e mórbida para ser vivida com a rapidez e intensidade próprias das paixões, sem olhar para trás nem tão pouco para a frente.
Por vezes penso, procurando entender como e porque aconteceu tudo isto. A resposta é sempre a mesma...não consigo entender, não há lógica nem sentido. E eu com tão mau feitio, tão inacessível na maioria das situações, tão escorregadia sempre que surgem situações vagamente semelhantes.
Pois assim se diz que a primeira vez é do acaso, a segunda da oportunidade, mas...e as seguintes? E depois? Bem, na realidade depois pouco me interessa, pois sei que as paixões tal como surgem, também morrem, consumidas talvez pela chama intensa que as alimenta. Cabe-nos portanto, vivê-las intensamente devido à sua natureza efémera e a sua raridade.
E então se eu te beijasse e o rosto te afagasse? Se pegasse nas tuas mãos e as conduzisse pelo meu corpo até chegarem à minha alma? Saberias tu aceitar a intensidade das minhas carícias?

MP

segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

conversas


- que fazes?
- nada, estou enrolado em pensamentos.
- sim? Em que pensas?
- coisas…
- já vi que não estás falador. Chateado?
- não. Não se passa nada, apenas estou cansado de viver sem saber bem para onde vou.
- como não sabes? Tu que és seguro e tens resposta para tudo... Como não sabes?
- não sei nada. As nossas conversas levam-nos sempre ao mesmo ponto de partida. Sabemos dar conselhos, mas para nós, a insegurança é constante.
- o que te preocupa? Já sei, estás com saudades de casa, é isso?
- não posso negar algumas. Tenho saudades de um lar, uma família, uma partilha de sonhos e afazeres.
- tens amigos. podem ajudar a passar a solidão.
- eu sei
- é mais simples ter um amigo que ter uma relação. È aborrecido ter de dar explicações sobre o que se faz, onde foi, com quem foi, etc…é um adeus á liberdade, e depois, acabam sempre mal. Com uma traição. Não, não me voltam a apanhar nessa esparrela.
- tolice. Os amigos não substituem o amor, se bem que sejam o nosso apoio, quando tudo cai. Nem sei como seria viver sem amigos.
- sim, são mais generosos e dedicados. A amizade dura para sempre. È menos complicada. Se estiver um dia sem te falar, não há problema por isso, se for a tua namorada que passe o dia sem te dirigir palavra, começas a pensar que algo está mal.
- e não é para pensar? Quando se gosta, as palavras são poucas e o tempo escasso. Cada momento esquecido, é um momento perdido.
-è desse sufoco que não gosto. Prefiro a amizade, é menos complicada e mais segura.
- deixa-te de desculpas, o que tens, é medo. Medo de assumires uma relação. Medo que ela acabe. Medo de sofrer.
- sim, tenho medo. Não quero sofrer mais, com nenhuma decepção. Já bastam as que a vida me deu. Todos os sonhos foram levados numa vida de sofrer. Não, não vou voltar a passar pelo mesmo.
- acabamos por voltar sempre á mesma conversa. Tanto me dizes que queres viver o que a vida te deve, como recuas para o teu canto e te fechas em gavetas de sentimentos.
- já me conheces, sabes o que quero e o me que me assusta. Na verdade… não sei o que quero, nem o que fazer.
- o que queres é fácil de adivinhar. Ser feliz
- sim. Mas… como?
- vivendo
- è o que faço
- Se vives, porque te queixas?
- não comeces com essas perguntas, sabes que estou bem assim, e para mais, tenho a amizade que basta para preencher os momentos vazios.
- não. Não pode nem deve bastar. Tem de existir algo mais. Um brilho no olhar. Uma loucura que se faz, Um arrepio de saudade de um dia á beira-mar. Um local. Uma história partilhada. Mais tem de haver. Apenas a amizade não completa a vida.
- eu sei… mas gostar… dói. Não quero sofrer mais. Basta. Muda de conversa.
- está bem. Do que queres falar?
- dos teus pensamentos.
- que têm?
- deixam-te triste. Como amigo, tenho de te animar.
- não consegues, não é algo que a amizade resolva. Posso deitar a cabeça num
travesseiro para dormir . Mas é da almofada macia que preciso. De adormecer no calor partilhado. Acordar com quem amamos, é um momento sem palavras.
- és sempre o mesmo. Um poeta com palavras fáceis. Que te prende para seres feliz?
Tens quem goste de ti, porque esperas? Se não arriscares, perdes a oportunidade de vez
- argumentas com as minhas palavras?! Fazes me rir…
- comigo é diferente, eu não quero ninguém, estou muito bem assim no meu canto.
- faço de conta que acredito mas nem a ti te convences. Ou esqueces os desabafos em que te queixas dos gritos do silêncio?
-São momentos, em que me sinto só. Gostava de viver a vida que me foi negada. Tenho os meus dias, em que quase desejo ter alguém para partilhar a vida. Mas passa depressa.
- acabas por me dar razão, no fim de tudo.
- não. Sou um caso encerrado. Muda de assunto. Fala-me de ti.
- estou a desembrulhar pensamentos, nada de mais. O tempo passa e ainda tenho pontas por desatar.
- somos complicados. O melhor é beber um copo e não pensar muito no assunto.
- sim, mas antes, vou enviar mais uma mensagem, pode ser que ela responda ainda hoje.
- sempre o mesmo.
- nem sempre.
- já pensaste escrever sobre o assunto?
- já. Talvez um dia o faça, quando souber o que dizer.
- que título vais dar?
- conversas.
- não escolhes nada melhor?

ruisantos

amor

o que se vê de olhos fechados,
o que se ouve num sussurro silíbante
o que se veste
num roçar desabrido
é amor
inconformado, renitente
invadindo cada pedaço
incauto de vida

rs

domingo, 28 de dezembro de 2008

encantamento

M,

Curioso o que se passa comigo. Vejo-me numa posição em que não estou, como habitualmente, em controlo da situação, mas sim ao sabor das marés. Desde o primeiro momento em que te conheci, senti-me fascinada, mas recusei dar demasiada importância ao que sentia, pois sou possuidora de uma curiosidade mórbida e tantas vezes imprudente que me leva ao envolvimento excessivo na vida de outras pessoas.
Contigo tive o cuidado de pouco perguntar pois o meu maior interesse consistiu em olhar-te. Pareceste-me misterioso, oriundo de um mundo totalmente diferente do meu, com esse ar de quem tem no seu interior uma criança em residência permanente. Um pequeno atrevido que tem que ser controlado para não cometer imprudências, embora por fora esteja em controlo um homem maduro.
Ainda hoje gosto de te contemplar o rosto, os teus olhos lindos de um melodia indefinida de tons, o teu sorriso aditivo, a tua voz profunda, lenta, e suave, os teus lábios carnudos e apetitosos, um nariz perfeito e umas longas mãos. O teu gosto e o teu sabor tocam a minha alma, fazendo com que me perca num mar de desejo.
Cada vez que estamos juntos, consegues sempre acelerar o meu coração e tirar-me o fôlego, apertando-me com os teus braços, sussurrando devagar nos meus lábios, percorrendo o meu corpo com as pontas dos teus dedos, fazendo com que sinta calor quando está frio.
Embora nem sempre o pareça, sou uma mulher prudente e é por tudo isto que te receio, não por ti, mas por mim, pelo que me permites sentir e sonhar.
Que me lembre, nunca me senti tão encantada e seduzida por alguém que conheça tão mal e com quem tenha tão pouco em comum, sendo por isso que continuam a pairar dúvidas e foi accionado o controlo emocional, se bem que tens revelado um talento muito especial para o destruir.
Em pouco tempo tornaste-te especial sem que eu consiga explicar porquê, pois nada tem a ver com a razão...com o raciocínio lógico. É sentimento puro, que me faz silenciar na tua presença, que faz com que sonhe contigo e a memória de ti perdure em cada dia que passa. Aguardo ansiosa, cada oportunidade de estar contigo, pois nenhuma posso perder. As horas parecem minutos, quando me apertas nos teus braços e poiso a cabeça no teu ombro. Dure o que durar, que possa ser sempre intenso e lânguido, que seja pleno de sentimento sincero e desejo inolvidavel.

MP

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

quanto


Quanto custa?
Partir
Rolar na estrada
Soltar amarras
Viver
Sentir o sabor do vento
Em trémulas asas, de luz
Voar
Alto, distante, errante

Qual o preço?
Da liberdade, incontida
Da vida, assumida
Da paixão, descarnada
Do rosto roçando a lua
E o sol caminhando
Nas rugas da tarde

Qual o peso?
De uma lágrima, de raiva
Caída no chão, de asfalto
De um ai, em silêncio
Na vergonha dos dias
De uma gota de água, turva
Sorvida, sem parar
De perguntas amargas
Em respostas suspensas

Quanto vale?
Um dia
Um momento
Um beijo na lágrima, do tempo
Um caminhar uníssono
De mão na mão
O amor
Que se faz no chão
E dói, e queima, e sufoca

Quanto dás?
Pelas memórias, coadas
De dias perfeitos
Pelos sonhos de sonhos
Suados e repartidos
Pela vida de perguntas, sem retorno
Pelos carinhos, por trocar
Pela espera, no vazio
Pela promessa, por saldar

Não fujas
Não tens por onde
Não escapas á vida
Sombra quente, colada em ti
Que grita em surdina
Liberdade, ao cativo
Sentindo os grilhões
Penetrando a alma

Quanto dás?
Por ti
Uma noite de sol?
Um dia de paz?
Uma resposta adiada?

Não importa
Se te enleias na busca da razão
E trocas os dias pelas noites
Se buscas todas as respostas
E esqueces as perguntas
Se a tua concha é segura
Mas te aprisiona, indelével
Com teus fantasmas, extintos

Não importa
Senão rasgar a página do tempo
Que segura a tua fuga
Sentir de novo, quem és
Voltar a ser criança
Deitada, em sonhos encantados

Não importa
Quando se perde a razão
À vontade submissa
De uma porta fechada
Indolor, constante, vazia
E a vida negada, pelo medo
Permanece expectante
Até ser
Tarde de mais

Nada importa
Senão viver

Sê feliz

RuiSantos

quarta-feira, 17 de dezembro de 2008

Fugas


Carta a A,

Já me tinha esquecido da forma como sempre me sinto bem contigo, mais leve, mais espontânea, mais livre para ser eu mesma, sem que por isso seja permanentemente julgada e sumariamente condenada. Sei que és talvez a única pessoa que melhor me conhece, mesmo aquelas minhas facetas das quais nem, contigo falo parecem pesar sobre mim. Contigo o dia termina sempre bem. Rejuvenesço e esqueço tudo e todos que me afligem e destroiem. Posso apenas ser quem sou pois estou segura de ser aceite e do prazer mútuo que temos em estar, em todos os mais pequenos e insignificantes gestos, os quais são afinal a vida real.
As nossas fugas sempre foram feitas em conjunto ou com uma grande cumplicidade. Entre nós não se disputa liderança nem existem desejos obscuros e preversos de dominação ou manipulação, e quando a vida nos magoa, sei que o teu ombro é garantido como mais nenhum e sei também que o meu estará sempre disponível quando precisares.
De todas as nossas “fugas” conjuntas eu mantenho memórias inesquecíveis.
Não sei bem porque razão, mas uma em particular delicia-me com frequência. Não me lembro do nome do local, mas vejo-nos com a maior clareza e detalhe, transportando-me como se lá estivesse. Não sei se te recordas como eu, mas provavelmente lembrar-te-às igualmente bem.
Foi numa tarde de principio de outono que passeamos ao longo de um lago nos arredores de Bruxelas. Era uma tarde soalheira mas fresca, o lago azul e calmo com pequenos barcos coloridos, ledeado por extensos relvados verdejantes e pequenas árvores frondosas, entre as quais serpenteava um longo passeio que percorremos languidamente. Nessa tarde combinamos que a nossa velhice seria um dia passada em conjunto num cenário semelhante (sempre fomos duas miúdas), ao qual adicionaríamos umas mantas quentes e um baloiço de jardim.
Tu tratarias do jardim e remarias o barco, enquanto eu me baloiçaria lendo um livro, ou vociferaria disparates incessantes da proa do barco. Claro que tu mandarias e eu seguiria, continuando eternamente fazendo as minhas habituais asneiras. Os filhos visitar-nos-iam, e os maridos...bom, penso que nos esquecemos momentaneamente deles! Seriamos viúvas ou estariam os seus papéis tão obsoletos que nem da sua existência nos lembrariamos?
Por final acertamos que teriamos um empregado que nos fizesse mordomias, ficando a última a morrer, responsável pela cremação da primeira a “abandonar o barco”.
Ainda hoje fecho os olhos, ouvindo e vendo a nossa conversa dessa tarde. Já lá vão nove anos, penso eu.


MP

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

desejos


sou livre de errar
em cada tropeço
enleado no sonho

sou livre de voltar
a cada lugar peregrino
visitado em mim

sou livre de beber
um sabor a mar amargo
na espuma de um dia findo


sou livre de partir
na senda da vela enfunada
derivando no ocaso, incolor

sou livre de ser uma ilusão
um erro sem solução
um rasgo sem razão

sou livre de aceitar
o desejo de mudar
e ficar sem direção

e

quando enredado
nos elos da vida
fria
torneado no rigor castro
e casto

grito em mim

sou livre

sem omissão

RuiSantos

quinta-feira, 11 de dezembro de 2008

felicidade


felicidade
é uma ilha de vento
soprada por ti
um rio de sonhos
que o tempo cativa
nas palavras insubmissas
da tua beleza incontida
renascidas
na dilação do tempo
composto e justo
por marés e montes
ondeados a par
em longas noites
de momentos
teus

ruisantos

amor

espaço transbordande
exíguo para o querer
desejo desatinado
que dói por não ter
palavra exuberante
garrida e amena
que pinte num instante
em tela serena
quanto do amor
chora só por ser
um desejo errante
dobrado num viver

ruisantos

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Não


Não.
Hoje não digo palavras bonitas. Sinto a paz no silêncio que me cerca. Neste retiro entre batalhas.
Não.
Hoje não tenho a palavra certa na hora certa. Sou apenas eu, esta velha carcaça, cansada de batalhas ocas.
Sim.
São décadas de vivência errante neste labirinto que me enreda e questiona a razão desta cela onde tudo é permitido e a tudo me nego.
Não.
Hoje não me dou por etapas, nem me visto de seda doce. Apenas nu e cru, nesta caminhada por dúvidas, que moem de tanto saber ao que me conduzem.
Palavras bonitas. Frases redondas e perfeitas, à vista de quem as lê, são bálsamo para a alma, eu sei.
Bálsamos. Libertam a dor mas não curam este sofrer que moe e destrói, na espera da renovação, sempre adiada.
No limbo entre a noite e o dia percorro emoções e afectos, saciando espaços em branco que trago em mim. Como um dia de Outono, passei pelo Sol sem fazer morada e a chuva quente teima em cair, nega a sua existência.
Sim.
Como quente e agradável és tu, Sol.
Não.
Hoje não quero pensar. Invejo quem não sente, não se dilacera em questões espúrias sobre a sua existência nesta barca. Navegam por calmas águas, na confiança do seu capitão, o tempo, cuidará do rumo a tomar.
Viagem sem regresso, não escolhida. Aportando a enseadas, seguras e serenas.
Num lapso de tempo, repouso entre sombras e vejo as tempestades vindouras, em setas sufocantes de palavras amargas.
Fujo de ti barca, pesada, romba, que recusas em partir. Fujo de ti como se foge de um sonho mau, que sufoca.
Fujo de ti barca, de restos usados, fragmentos de afectos e doces sorrisos simpáticos, mas não a cura para esta dor que me leva a não continuar seguir rio abaixo, sempre jusante, até te encontrar. Corrente forte, imensa, que me impele para a foz, para o fim certo, que todos pretendem ignorar.
Sim.
Sei que nos encontraremos num plácido lago de águas translúcidas, onde te verei com nitidez e nada será como era.
Sim.
Sei que tudo é um mero passeio de ao longo das margens de um rio. Sou um passageiro inconformado pelo lugar que me coube em sorte, rodeado de cheiros acres e fétidos.
Sim.
Esse o lugar que habito, como clandestino. Subo ao convés e permaneço incógnito, levando o bilhete que um incauto distraído esqueceu na sua esteira beira sol.
Bonitas são as margens deste rio. Sol e mar. Risos e aromas. Margens de sons trepidantes em contínuo reboliço. Poderei sair por segundos e conhecer um pouco mais que águas paradas que por demais me revejo? Terei a permissão? Terei a ousadia de visitar outra margem, sem fazer morada entre os que ousam pernoitar? Terei esse rasgo de gozo, e partir desta barca cinzenta, voltar a subir o rio, para espanto de quem me segura? Para meu assombro?
Não.
Hoje não quero dizer palavras bonitas, vou para a minha cama de rede e baloiçar um pouco mais, neste porão de cheiros e sabores confortavelmente adquiridos em décadas de viagens.

RuiSantos

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Pela Frescura da Manhã




J,

Tenho andado por aí, fazendo a vida rotineira até que ontem saí de casa logo pela manhã e deparei-me com um dia soalheiro e um céu azul, daqueles que parecem estar mais distantes da terra do que é habitual. A ventania da noite havia já acalmado. Sentei-me na esplanada e pedi o costumeiro café e uma água tónica, um vício recente, não passando de mais um daqueles meus fervores passageiros que tão bem conheces.
Foi então que me apercebi que estava só... Sózinha na esplanada e na rua inteira, pois nem um carro esporádico passava. Não posso precisar ao certo quanto tempo desta serenidade passou, talvez quinze minutos ou meia hora, os quais sorvi com uma intensidade e bem-estar que já há muito não sentia. O sol, a frescura da manhã, o silêncio e a acalmia pareceram perdurar por mais tempo, bastando para carregar as minhas baterias para todo o dia.
É sempre curioso que seja em momentos como estes que invades o meu ser. Sinto a delícia de partilhar contigo este silêncio e esta paz, ambos sentados na esplanada com as cadeiras bem juntas, olhando em frente para um ponto inexistente. Quem passa por nós pensa que estamos zangados, sem falar, sem nos tocarmos nem sequer trocar um olhar que seja, porém escapa-lhes a nossa descarada cumplicidade silenciosa e secreta. Depois aquela troca de olhares, sinal para que ambos nos levantemos da mesa em silêncio, seguindo um caminho que apenas nós sabemos onde nos levará.
Nunca coloco alternativa senão seguir os teus passos e caminhar a teu lado, até entrar para o carro e fechar a porta. Aí o mundo torna-se subitamente pequeno e acolhedor, parecendo que só nós existimos e nada mais nos preenche a memória. São os nossos preciosos momentos, roubados à vida e saboreados lentamente . Trocamos olhares e inclinamos a cabeça um para o outro, de uma forma natural, fechando os olhos para trocar pequenos beijos provocadores, dados e recebidos em lábios húmidos e frescos, dizendo sempre muito mais do que palavras.
Pões o carro a trabalhar e ambos colocamos os óculos escuros, protegendo assim a vista do brilho intenso do sol sobre o mar. É quase sempre para o mar que nos dirigimos, não é? Ambos necessitados da sua vastidão e sensação de liberdade.
Gostaria sempre de passar mais tempo contigo, mas sei que é impossível, pois os nossos escassos momentos são já roubados e a nossa relação sempre foi baseada nesta premissa. Representaremos sempre um para o outro, os momentos de desejo, cumplicidade e afecto sem qualquer cobrança mútua, aceitando aquilo que cada um tem e pode dar de si próprio. Apenas aquilo que cada um de nós é, e não aquilo que poderiamos ou desejariamos ser.
Hoje desejei estar contigo e paradoxalmente, assim o fiz, para tal bastando fechar os olhos e sentir o calor do sol na frescura da manhã. Sinto que também pensaste em mim, pois eu senti-te com toda intensidade.


M P