terça-feira, 19 de maio de 2009

caixas

Dor
gélida de nadas

de acasos avesos

de paredes uniformes

de ataduras enleadas

de raiva injustiçada

de continuidades inuteis

de tempos adiados

de cansaço cristalizado

de te doer

odeio dor

guardo numa caixa
a dor
o desespero
o cansaço
a inceteza
e
quando ela se abre
abro também,

a caixa

do amor
que combate a dor
da esperança
que alivia a dor
da cor
que apaga a dor
da luz da manhã
que seca a dor
do sorriso da criança encontrada
que sorri da dor

e as dores, domadas
voltam para as caixas
fechadas
e todas as caixas
sem dor
as cobrem
de amor

RuiSantos

pela manhã

Não podemos deter o tempo
Mas encontrar o tempo certo
de cada amanhecer renovado
é sabedoria sem data
que torna grandes e seguras
as pequenas e simples vitórias
e a nudez fria da noite
se veste embalada pela manhã.

RuiSantos

instantes

instantes
ilusões serenas
sedeadas no manto diáfano do tempo
rompem manhãs de memórias
em devaneios opacos de razão

instantes
trocos, que a vida dá
pela essência da alma, nua
despudorada, renascente
que por instantes
esquece
que o instante
hábil, fenece
em ontem
escasso e débil

instantes
prelúdios do provir
anseios tresloucados de sentir
deleitosos, em artes ousadas
nem sempre de razão
nem sempre são
o que são

instantes
rasgos da vida
cosidos no tempo
segredos levados
de desejos tragados
pela mão da razão

instantes
quais os teus?

ruisantos

sábado, 16 de maio de 2009

cor do vento


Soltam-se ventos
na madrugada fria
Soltam-se cores
com cheiro a maresia

Quem os ouve?
Quem as vê?
Quem tem na língua
o paladar do porquê

Quem não dorme deitado
com o dono da razão
Quem tem lágrimas de mar
quando diz , não

São ventos de mudança
em cores por inventar
Espraiados na ternura
De sons de terra e ar

São as voltas que o vento dá
lidas com perfeição
em cada lado trocado
pelas raias da razão

RuiSantos

isso, eu sei




Não tenho quarto nem janelas
tenho vontades, desejos, emoções
sonhos, saudades, ousadias
dias e noites tardias
pingadas de razões

tenho amor para dar
e espaço para receber
tenho portas abertas
de par em par
tenho um rio a correr

tenho lágrimas acabadas
de pensamentos sem sol
tenho ar, vida, força marcada
e de alegrias, tenho um rol

uma mão cheia de tudo
e outra cheia de nada
é tudo o que tenho
desta vida recheada

sou o meu resultado
do que fiz e não ousei
sou quem te ama
isso,
eu sei

RuiSantos

quinta-feira, 14 de maio de 2009

falam as palavras

falam as palavras
na alma sussurada
que o vento leva

falam os silêncios
na estridência de pensamentos
sufocados

falam as memórias
no ocaso diluido do tempo
ingrato

falam as paredes
testemunhas serenas do futuro
carente

falam as almas
do que as palavras não falam
por não saberem dizer
quais os ventos que trazem
a sabedoria do viver

ruisantos

Felicidade, definindo o possível


A demanda da felicidade é uma saga de muitos capítulos que penso nunca ver o seu fim. Tal pote de ouro, no fim do arco-irís.
Como encontrar algo transparente, diáfano, sensível, que se escurece e intimida com um arcar de sobrancelhas?
Como fechar em local seguro o que se renova diariamente, sob pena de murchar e perder a voz?
Felicidade, uma definição impossível, no entanto, a razão da nossa existência.
Como tudo, o que depende do ponto de vista do observador, poderá ser relativo, ou não.
Para uns, é manter a cabeça á tona de água, respirando apenas.
Para outros, férias no fim do mundo, concretizando sonhos, de anos de privações.
Para outros, um pouco de paz, pacatez, segurança e uma vida com objectivos e metas.
Dentro da relatividade da vida, vivemos momentos absolutos que não se repetem nem se prevêem.
Sentimos em cada poro da pele, a gota de suor que derramamos, na busca do momento supremo de amor, vitória, alegria, realização pessoal ou simplesmente, o conforto da paz.
Momentos felizes, sem dúvida que os há.
Talvez a felicidade, seja apenas isso.
A soma de casos felizes.
Momentos coloridos, que se projectam na continuidade da sua história.
Sobre cacos, feridas e desvarios. Sobre sonhos emoções e ilusões. Sobre pinceladas azuis de esperança, como que, se renovando e revivendo.
Diria que a felicidade é uma escada, que se sobe, degrau a degrau.
Degraus, frágeis, que se quebram, com o peso da dúvida.
Degraus, que por vezes, nos são retirados sem aviso, sendo a queda grande e sofrida.
Degraus, de tão gastos e puídos pelo uso, que já não acompanham o peso de um pé, numa vontade viçosa.
Galhos de uma escada, que tenho subido e descido, sempre que relativizo o impossível.
Como entender que tenho a relativa certeza absoluta do amor? Ou, possuir uma não certeza, de ser correspondido?
Como se edifica na insegurança?
Assim é a felicidade.
Ou é, ou não é.
Dos cinzentos, que a vida me impõe, estou servido. Não quero semear o que mais tarde irei colher a contragosto.
Felicidade, sim.
Mais ou menos, não.
Felicidade, é uma flor que murcha, com a turbulência da dúvida, e floresce, com a rega da certeza da esperança, de ser feliz.
Por vezes, penso em quem não se atreve a sonhar, em quem fica na certeza vazia, do dia que se repete.
Em quem tem medo, da dor de ser feliz. E revejo os meus dias de sufoco e impotência, afundando-me num poço negro, que se fecha e engole.
Tempos confortáveis de nadas, deitados em coisas nenhumas.
Vidinha de uma vida que corre.
Felicidade.
Tem de ser absoluta. Uma entrega total, para o seu retorno ser, total.
Definindo o impossível, diria.
Felicidade, é a flor, absolutamente maravilhosa, que se colhe, de uma vida relativa, que flue, sem parar.

RuiSantos

domingo, 10 de maio de 2009

no fio da navalha

cada curva
um desafio

cada rio
uma esperança

cada recta
um respirar

cada posse
uma ilusão

cada entrega
um ganho

assim é, vida
nada temos
nada somos

vivemos num trilho
falivelmente planeado
sem queixume
na certeza do incerto
e nos momentos que se disfrutam
exuberantes, rasgados, trocados

emoções, coreografando vida
e as razões que a sustém
necessárias
seguras
frias

e a vida continua
no fio da navalha

gotejando rios vermelhos
verdes de esperança
e azuis
de um olhar
mais além
sem fim

ruisantos

Saudades de ti


M,
Dias existem em que nem penso em ti, no entanto, no entanto, outros passam, durante os quais não páro de pensar em ti. Tenho muitas saudades, sabes. Nestes dias revejo tudo o que fizemos juntas e nas palavras que partilhamos, das quais, na altura, me recusei imprudentemente a retirar qualquer aprendizagem. Achava então que já tudo sabia e tu nada poderias acrescentar. Que estupidez arrogante a minha! Quanta saudade de te ter perto de mim, com essa tua forma de estar fácil e alegre que sempre usavas para meu benefício.
Sinto que desperdicei grande parte dessa tua adoração incondicional, que não mais voltei a experimentar em parte alguma. Também o meu amor e compreensão por ti foram totais, porém, cometi o erro fatal de colocar alguém à tua frente. Um erro que ainda hoje pago bem caro. Bem me avisaste, com esse teu carinho e cuidado, para que não me magoasse, agindo sempre com actos defensivos para que não me magoasse. Mas eu não quis acreditar e recusei-me a ver a realidade amarga que hoje tenho que encarar sem ti. Pago muito cara a minha leviandade.
Hoje escorrem pela minha face, algumas lágrimas de saudade, as quais limpo rapidamente, reconhecendo que a elas não tenho qualquer direito. Espero não te desiludir pelo resto da vida fora, mas estou hoje certa de que nunca conseguirei ser metade da mulher que tu foste: capaz de, estoicamente suportar grande sofrimento e desilusão, mantendo um sorriso alegre. O meu sorriso apagou-se há muito e este que uso é uma máscara que tu rapidamente detectarias se estivesses aqui.
Foste para mim, um exemplo de tudo e espero ter conseguido poupar-te a desilusão de não ter a capacidade de corresponder às tuas expectativas para mim. Sei que me perdoarás, tal como sempre o fizeste....e não ligues as estas lágrimas que me escorrem dos olhos com alguma frequência, pois afinal temos mais em comum do que possam pensar.

MP

sábado, 9 de maio de 2009

Lições de Vida



D,
Amiúde vou pensando em si. Uma lição sobre como uma vida fácil e descontraída, de repente se transforma num pesadelo difícil de desembrulhar. Uma lição sobre a importância e efemeridade do “fácil” e sereno, e da pouca importância que lhe damos até ao momento em que o perdemos.
O seu é um trajecto que terá sempre que trilhar sozinho. Não tenho ainda a certeza se já o percebeu, mas não existe companhia possível neste seu caminho, apenas presenças, cais onde atracar para descanso. Nada mais na vida será simples ou gratuito, pois a partir dos 40, tudo se paga, de uma ou outra forma. A vida tem sempre um elemento de justiça impiedosa, onde acabamos por perceber que tudo se paga...todos os pequenos erros e percalços, todas as facilidades, todos os gestos irreflectidos.
Cruel? Talvez, mas eu penso apenas que o mundo possui uma implacável justiça intrínseca, pois com o nosso fim, nada mais existirá senão cinzas esquecidas, por um mundo que continuará sem que a nossa falta seja sequer sentida.
Espero sinceramente que saiba caminhar, nunca se enganando em tomar como certo e permanente, aquilo que nunca o poderá ser .
Cada sol que nasce poderá ou não sempre ser para nós, num jogo permanente onde toda a prudência é pouca e onde sempre arriscamos a nossa própria vida a todo o momento.
MP